Durante o período colonial uma série de leis sobre a escravidão, guerras-justas, mão-de-obra compulsória e liberdade dos índios dos antigos estados do Grão-Pará, Maranhão e Grão-Pará e Rio Negro foram promulgadas pela Coroa Portuguesa. Apresento ao público uma das primeiras leis sobre a liberdade dos índios no Estado do Maranhão.
Transcrição semidiplomática de Samuel Ambrósio Cavalcante
DOM JOSEPH POR GRAÇA DE DEOS REY de Portugal, e dos Algarves dáquem, e dálem mar em Africa, Senhor de Guiná, e da Conquista, navegaçaõ, e commercio de Ethiopia, Arabia, Persia, e da India, &c. Faço saber aos que esta Ley virem, que, mandando examinar pelas pessoas do meu Concelho, e por outros Ministros doutos, e zelosos dos serviços de Deos, e meu, e do bem commum dos meus Vassalos, que me pareceo consultar, as verdadeiras causas com que desde o descobrimento do Graõ-Pará, e Maranhaõ até agora naõ só se naõ tem multiplicado, e civilizado os indios daquelle Estado, desterrando-se dele a barbaridade, e o gentilismo, e propagando-se a doutrina Christãa, e o numero dos Fiéis alummiádos da luz do Evangelho; mas antes pelo contrario todos quantos Indios se desceraõ dos Sertoens para as Aldeas em lugar de propagarem, e prosperarem nellas de sorte, que as suas cõmodidades, e fortunas servissem de estimulo aos que vivem dispersos pelos matos para virem buscar nas povoaçoens pelo meio das felicidades temporaes o maior fim da bemaventurança eterna, unindose ao gremio da Santa Madre Igreja se tem visto muito diversamente, que, havendo descido muitos milhoens de Indios, se foraõ sempre extinguindo de modo, que he muito pequeno o numero das povoaçoens, e dos moradores dellas; vivendo ainda estes poucos em taõ grande miseria, que em vez de convidarem, e animarem os outros Indios barbaros a quem os imitem, lhes servem de escandalo para se internarem nas suas habitaçoens silvestres com lamentavel prejuizo da salvaçaõ das suas Almas, e grave damno do mesmo Estado, naõ tendo os habitantes delle quem os sirva, e ajude para colherem na cultura das terras os muitos, e preciosos frutos em que ellas abundaõ: taõ preniciosos efeitos effeitos, consistio, e consiste ainda em se naõ haverem sustentado efficazmente os ditos Indios na liberdade, que a seu favor foi declarada pelos Summos Pontifices, e pelos Senhores Reys meus predecessores, observando se no seu genuino sentido as Leys por elles promulgadas sobre esta materia nos annos de mil quinhentos noventa e sinco, mil seiscentos e nove, mil seiscentos e onze, mil seiscentos quarenta e sete, mil seiscentos e sincoenta e sinco: cavillando-se sempre pela cubiça dos interesses particulares as disposiçoens destas Leys, até que sobre este claro conhecimento, e sobre a experiencia do que havia passado a respeito dellas, estabeleceo ElRey meu Senhor, e Avô, no primeiro de Abril de mil seiscentos e oitenta (para de huma vez obviar a taõ perniciosa fraudes) a Ley, cujo teor he o seguinte.
Ley do primeiro de Abril de mil seiscentos e oitenta
Dom Pedro Principe de Portugal, e dos Algarves como Regente, e successor destes Reinos &c. Faço saber aos que esta Ley virem, que sendo informado ELRei meu Senhor, e Pay que Deos tem, dos injustos cativeiros, a que os moradores do Estado do Maranhaõ por meios illicitos reduziaõ os Indios delle, e dos graves damnos, excessos, offenças de Deos, que para este fim se cõmetiaõ, fez huma Ley nesta Cidade de Lisboa em nove de Abril de mil seiscentos sincoenta e sinco, em que prohibio os ditos cativeiros, exceptuando quatro casos, em que de Direito eraõ justos, e licitos; a saber quando fossem tomados em justa guerra, que os Portuguezes lhes movessem, intervindo as circumstancias na dita Ley declaradas; ou quando impedissem a prégaçaõ Evangelica, ou quando estivessem prezos á corda para serem comidos; ou quando fossem remdidos por outros Indios, que os houvessem tomado em guerra justa, examinando-se a justiça della na fórma ordenada na dita Ley, e por não haver sido eficaz este remedio, nem o de outras Leys antecedentes do anno de 1570, 1577, 1595, 1652, 1653, com que o dito Senhor Rey meu Pay e outros Reys seus predesessores procuraõ atalhar este damno, antes se haver continuado até o presente com grande escandalo, e excessos contra o serviço de Deos, e meu; impedindo-se por esta cauza a conversaõ daquella gentilidade, que dezejo promover, e adiantar, e que deve ser, e he o meu primeiro cuidado, e tendo mostrado a esperiencia que, suposto sejaõ licitos os cativeiros por justas razõens de Direito nos casos exceptuados na dita Ley de seiscentos cincoenta em cinco, e nas anteriores, com tudo que saõ de maior ponderaçaõ as razõens que ha em contrario para os prohibir em todo o caso, serrando a porta, aos pretextos simulaçoens, e dólo com que a malicia abusando dos casos, em que os captiveiros saõ justos, introduz os injustos, enlaçando-se as conciencias, naõ somente em privar da liberdade aquelles a quem a comunicou a natureza e que por Direito natural e positivo são verdadeiramente livres, maz tambem nos meios ilicitos de que usão para este fim.
Dezejando reparar taõ graves damnos, e inconvenientes, e principalmente facilitar a converçaõ de aquelles Gentios e pello que convem ao bom governo, tranquilidade, e conservação daquelle Estado, com parecer dos do meu Conselho, ponderada esta materia com a madureza, que pedia a importancia della, e examinando-se as Leys antigas, e as que especialmente sobre este particular se estabelecerão para o Estado do Brazil, onde por muitos annos se esperimentaraõ os mesmos damnos, e inconvenientes, que ainda hoje duraõ, e se sentem no Maranhaõ: Houve por bem mandar fazer esta Ley, conformando-me com a antiga de trinta de Julho de seiscentos e nove, e com a Provisão que nella se refere de sinco de Julho de seiscentos e sinco passadas para todo o Estado do Brasil. E renovando a sua disposiçaõ ordeno, e mando que daqui em diante se naõ possa cativar Indio algum do dito Estado em nenhum caso, nem ainda nos exceptuados nas ditas Leys, que Hey para este fim nesta parte revogo e hei por derrogadas, como se dellas, e das suas palavras fizera expressa, e declarada mençaõ, ficando no mais em seu vigor: e sucedendo que algua pessoa, de qualquer condiçaõ, e qualidade que seja, captive e mande cativar algum Indio publica ou secretamente, por qualquer titulo, ou pretexto que seja, o Ouvidor geral do dito Estado o prenda, e tenha a bom recado, sem neste caso conceder Homenagem, Alvará de fiança ou fieis Carcereiros; e com os autos, que formar, o remetta a este Reino entregue ao Capitaõ, ou Mestre do primeiro Navio, que para elle vier, para nesta Cidade o entregar no Limoeiro della, e me dar conta para o mandar castigar como me parecer. E tanto que o dito Ouvidor geral lhe constar do dito cativeiro porá logo em sua liberdade o dito Indio, ou Indios, mandando-os para qualquer das Aldeas dos Indios Catholicos, e livres, que elle quizer. E para me ser mais facilmente prezente se esta Ley se observa inteiramente: Mando que o Bispo, e Governador daquelle Estado, e os Prelados da Religioens delle, e os Parochos das Aldeas dos Indios, me dem conta pelo Conselho Ultramarino, e Junta das Missoens dos transgressores, que houver da dita Ley, e de tudo o que nesta materia tiverem noticia, e for conveniente para a sua observancia.
E succedendo mover-se guerra defensiva, ou offensiva a algua Naçaõ dos Indios do dito Estado nos casos, e termos, em que por minhas Leys, e ordens he permitido; os Indios, que na tal guerra forem tomados, ficaraõ sómente prizioneiros como ficaõ as pessoas que se tomaõ nas guerras da Europa, e somente o Governador os repartirá como lhe parecer mais conveniente ao bem, segurança do Estado, pondo-os nas Aldeas dos Indios Livres e Catholicos, onde se possaõ reduzir á Fé, e servir o mesmo Estado, e conservarem-se na sua liberdade, e com o bom tratamento que por ordens repetidas está mandado, e de novo mando, e emcomendo se lhes dê em tudo, sendo severamente castigado quem lhes fizer qualquer vexaçaõ, e com maior rigor os que lhas fizerem no tempo em que delles se servirem por se lhes darem na repartiçaõ.
Pelo que mando aos Governadores, e Capitaens Móres, Officiais da Camara e mais Ministros do Estado do Maranhaõ, de qualquer qualidade, e condiçaõ que sejaõ, a todos em geral, e a cada hum em particular, cumpraõ, e guardem esta Ley, que se registará nas Cameras do dito Estado; e por ella Hei por derogadas naõ somente as sobreditas Leys, como assima fica referido, maz todas as mais e quaesquer Regimentos, e Ordens, que haja em contrario ao disposto nesta, que sómente quero que valha, tenha força, e vigor como nella se contém, sem embargo de naõ ser passada pela Chancellaria, e das Ordenações, e Regimentos em contrario, o primeiro de Abril de mil seiscentos e oitenta.
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Fontes:
Biblioteca Nacional Digital. Biblioteca Nacional de Portugal. http://purl.pt/index/geral/PT/index.html. O documento pode baixado por este link: http://purl.pt/13846. Acessado em 11/11/2011.
Leia o documento e mais outros aqui: http://pt.scribd.com/doc/72746265
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